quinta-feira, 10 de julho de 2014

O que se passou no Mineirão, mermão?


O Brasil perdeu por 1-7 com a Alemanha, e apesar de isto ser considerado apenas possível em consolas de jogos do tipo FIFA'2014 ou Championship Manager, foi bem real. Deixemos de lado as habituais teorias da conspiração, que falam de um conluio entre a FIFA e a Nike, de um ressurgimento do nazismo na Alemanha, e de uma combinação para facilitar o título à "mannschaft", e para o qual foram feitas propostas milionárias aos jogadores brasileiros para perder com os alemães. É tudo mentira, uma cabeluda mentira. Duvido que qualquer jogador brasileiro quisesse fazer parte daquela verdadeira vergonha que foi a derrota por 7-1 no Mineirão na noite de terça-feira. Nem com um camião de dinheiro à minha porta eu me sujeitaria a uma figura daquelas. Primeiro olhemos para os números:

- Foi a pior derrota da história da selecção brasileira, a par de um amigável com o Uruguai em 1920, que terminou com uma derrota por 6-0 - mas desta vez foi a valer.

- O Brasil não perdia em casa desde 1975, quando o Perú de Cubillas e companhia derrotou a "canarinha" nas meias-finais da Copa America organizada pelo Brasil. Curiosamente esse jogo foi também realizado no Mineirão. Além disso o Brasil nunca tinha sofrido sete golos em jogos em casa.

- O Brasil só tinha concedido mais que sete golos num amigável frente à Jugoslávia em 1934, onde perdeu por 4-8, e aí foram apenas quatro golos de "handicap".

- Esta foi a maior derrota de uma selecção numa meia-final de um mundial, superando as derrotas por 6-1 de Estados Unidos e Jugoslávia frente a Uruguai e Argentina, respectivamente, no mundial de 1930, e da Áustria frente à Alemanha Ocidental nas meias-finais do "louco" mundial de 1954, na Suíça.

- Foi também no mundial de 1954 que a equipa anfitriã, a Suíça, tinha sofrido sete golos, perdendo nos quartos-de-final frente à Áustria, mas por 7-5, discutindo o resultado quase até ao apito final.

- O Brasil nunca tinha sofrido mais que cinco golos num jogo de um mundial, e mesmo nesse jogo saíu vencedor: foi no mundial de 1938 frente à Polónia, em que a "canarinha" saíu vencedora por 6-5, após prolongamento.

E é mesmo assim, as coisas são o que são. O resultado de terça expressou o que se passou no Mineirão: uma Alemanha séria, eficaz, organizada, contra um Brasil que foi uma manta de retalhos durante todo o mundial, e que pagou forte e feio, e de uma vez só, todos os seus pecados e fragilidades demonstrados, para não falar da arrogância do seu treinador, o mui crente mas pouco competente Luiz Filipe Scolari.

Chega a ser confrangedora a forma como Scolari conseguiu manter a compostura depois da humilhação perante a Alemanha. Há explicação lógica para o sucedido? Não, claro que não. A ausência de Neymar, que apesar de não ser nenhum Pelé (as comparações deixam-me arrepiado) consegue pelo menos manter o Brasil com um pendor atacante, colocando as defesas adversárias em sentido, fez toda a diferença? A infantilidade de Thiago Silva frente à Colômbia, que lhe valeu um segundo amarelo e um "buraco" na defesa que nem dez Dantes conseguiam tapar? Talvez o Brasil perdesse por menos com Neymar e Thiago Silva, mas perdia na mesma.

É que além do desnorte do Brasil, tivemos a eficácia da Alemanha, que já no jogo de estreia frente a Portugal tinha demonstrado que não se impressionava com "touradas", e que não tinha vindo à América do Sul dançar nenhuma das modas mais populares da região, fossem elas o samba, o cha-cha ou o tango - e vai ser esse o último teste no próximo Domingo no Maracanã, contra a Argentina, que até prova em contrário, será mais uma vítima da frieza e do calculismo da equipa de Joachim Löw, que até agora tem dado a resposta adequada em termos tácticos. Os alemães parecem ter problemas apenas com equipas africanas, como ficou demonstrado contra o Gana e contra a Argélia, mas esse problema não é apenas de hoje.

A equipa alemã está sobre a direcção de Löw desde 2006, e mesmo antes disso o treinador que ficou célebre por ter levado o Estugarda à final da Taça das Taças em 1997, onde perdeu para o Chelsea, tinha sido adjunto de Jürgen Klinsmann em 2006, quando a Alemanha organizou o mundial, ficando-se pelo 3º lugar, após cair nas meias-finais frente à Itália por 0-2 no prolongamento. Löw renovou a esquadra, aproveitou bem a maturidade de jogadores como Müller, Götze, Schürrle, Özil, Khedira, ou o guardião Neuer, trouxe para a equipa valores como Hummels, Höwedes, Boateng ou Kroos, e ainda pode contar com a experiência de Klose, Lahm, Podolski ou Schweinsteiger. Foi um trabalho de longa duração onde se aprendeu com erros ao mais alto nível: uma final de um Euro perdida em 2008 para a Espanha, mais um terceiro lugar no mundial de 2010 e uma meia-final de um Europeu em 2012, sempre com a Itália como "carrasco", e agora com todos os trunfos na mão e com a Espanha e a Itália atravessando uma dolorosa renovação, não há quem os pare.

Do outro lado estava um Brasil frágil, pouco convincente, com o factor casa como maior trunfo para este mundial - era previsível que caísse perante uma Alemanha que não se deixa impressionar com tão pouco. Neymar era a cabeça, tronco e membros da equipa, e sem ele não há equipa. Uma defesa vulgar, que ficou "às aranhas" perante a avalanche atacante de um adversário a sério. Um meio-campo onde Hulk, apesar do seu valor individual dificilmente consegue "carregar" uma equipa, e uma linha atacante que desde a primeira hora levantou sérias dúvidas. Fred tem feito de "homem invisível", Jô e Willian não chegam a ser alternativas, e para a ausência de Neymar, Bernard pode ser bom rapazinho, mas precisa de comer muito pão, com côdea rija. Oscar é bom...no Chelsea, e não se entende muito bem porque Dani Alves e Hernanes são segundas escolhas. Paulinho e Fernandinho são "inhos", e por falar nisso, cadê Robinho e Ronaldinho, que com uma perna às costas seriam um brinquinho? E para levar Fred, mais valia contar com Pato, apesar de tudo - porra, até o Lima do Benfica fazia melhor.

Para os que detestam Scolari, e são muitos, desde a imprensa aos adeptos palmeiristas e muitos portugueses, que se devem ter rebolado a rir na terça (o Vítor Baía ainda está a recuperar de dores nos maxilares e nos abdominais, tal foi o ataque de riso), este foi o dia de S. Receber. Scolari engoliu de uma só vez toda aquela arrogância que o faz pensar que os burros são os outros, quando ficou bem expresso que o burro é mesmo ele, como reza o célebre vídeo famosamente parodiado por Ricardo Pereira, dos Gato Fedorento. Maior que ele próprio, Scolari quis provar o seu génio, mas fracassou redondamente. Como se atreve ainda a falar da "melhor classificação desde 2002", quando qualquer outro preferia sair na fase de grupos ou nos oitavos do que ser sujeito a tamanha humilhação como foi esta frente à Alemanha? Pode ser que tenha razão quando diz que a maior parte deste elenco estará no mundial da Rússia daqui a quatro anos, mas sem mais dois ou três jogadores do nível de Neymar, dificilmente conseguirá fazer melhor que os quartos-de-final, ou menos.

A verdade é que este Brasil não é o mesmo de há 10 ou 20 anos, e nem por sombras se pode equiparar à equipa dos anos 80, que encantou mas falhou nos mundiais de 82 e 86. Em 2002 contavam com Ronaldo em grande forma, Ronaldinho e Kaká começando a aparecer, apoiados pela experiência de Cafú e Roberto Carlos, beneficiando ainda de uma série de eventos "estranhos" que afastaram Itália, Espanha, Argentina e França de assumir um maior protagonismo num mundial onde, pasme-se, o jogo do 3º lugar foi entre a Turquia e a Coreia do Sul. Em 2006 esbarraram na França de Zidane, e partir daí acabaram-se as munições, com as saídas de cena de alguns dos maiores protagonistas do Brasil todo-poderoso do início de milénio. Scolari foi o homem errado na hora errada, quando tinha sido o homem certo no tempo certo. Só que passaram-se 12 anos, e no lugar do tudo que teve a seu dispôr, encontrou agora um grande nada.

E voltando a Neymar, de nada ajudou o endeusamento do jogador do Barcelona, que logo que ficou fora do leque de opções se tornou numa espécie de mártir, e até parecia que a sua saída de cena significava o fim do Brasil. Scolari tentou usar a ausência do seu ás para motivar os restantes, mas essa empreitada teve um efeito preverso, e o navio parecia desorientado sem o seu capitão, A falta que Thiago Silva fez no eixo da defesa não teve sequer um dízimo da publicidade que teve a falta de Neymar, cujas mensagens de apoio davam a entender que estava numa batalha entre a vida e morte, em vez de confortavelmente instalado na sua residência em Santos, a observar a forma como os seus colegas foram escorraçados por uma Alemanha, que indiferente a tudo isto, foi fazer aquilo que lhe competia: jogar futebol.

Chega a ser engraçado pensar num futuro para Scolari na selecção brasileira ou em qualquer outra valência. Vai chegando aos 70 anos, tem uma carreira respeitável como técnico, talvez mais do que merecia, e é altura talvez para pensar em gozar o Inverno da vida como observador, e já é tarde para dizer que tem apenas boas memórias das suas "aventuras". Se os brasileiros ainda olham para Zagallo com desdém depois do fiasco que foi a derrota com a França em 98 por 3-0, Scolari vai precisar de mandar o Murtosa à padaria vestido de freira para lhe comprar o pão. Se lhe perguntarem pelo bigode, sempre pode dizer que é "uma freira portuguesa" - a gente perdoa-lhe a audácia. A maior piada foi aquela da terça-feira. Paciência, Filipão.

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