domingo, 3 de agosto de 2014

Taofu fedorento - 臭豆腐


Qual foi o prato, o "snack", a comida mais mal cheirosa que alguma vez comeram? Quando era pequeno lembro-me do cheiro das mercearias que tinham bacalhaus pendurados por cima do balcão, ou do bucho de porco que a minha avó comprava na praça e deixava um dia inteiro a macerar no vinagre, só para que tornasse minimamente comestível. E mesmo os rins de porco, como os apreciadores devem saber, requer uma certa arte em preparar para evitar aquele odor a urina próprio daquele orgão secretor. Na Ásia a primeira agressão que normalmente é feita ao nosso sentido do olfacto é através do "durian", aquela fruta com casca espinhosa que depois de aberta revela uma polpa cujo cheiro é qualquer coisa entre o mijo de gato e as fraldas de bebé cagadas. Mas isso não é nada. O perigo chega de onde menos se espera: do "taofu", ou seja, a proteína de soja, uma das jóias da coroa dos nossos amigos vegetarianos, esses chatonços.


O "chao taofu" é uma espécie de pudim de soja fermentado ao ponto do cheiro fazer correr a sete pés qualquer ser humano com o mínimo de percepção do mau cheiro. A história remonta à antiguidade chinesa, quando um tal Wang Zhi He, vendedor de "taofu" fresco, guardou os excedentes de um dia num frasco selado a vácuo, e passados poucos dias notou uma tonalidade verde no outrora branco amarelado do seu produto. Apesar do cheiro nauseabundo da soja, arriscou, fritou-a e começou a vendê-la a quem tivesse este gosto tão "particular". E isto manteve-se até aos dias de hoje; em Macau o "chao taofu" vendia-se até finais dos anos 80, e tal como nos outros (poucos) lugares onde ainda tem adeptos, era obtida nas ruas, através dos vendedores ambulantes. Contudo o odor pútrido, que lembra uma gangrena com mais de uma semana, obrigouo Leal Senado a proibir a sua venda. A vendilhona mais popular situava-se na Rua Pedro Nolasco da Silva, perto do actual Centro Comercial Capitol. O "chao taofu" é frito na sua variedade em tons de branco e preto, e ainda se pode encontrar facilmente em algumas partes da China continental, casos da província de Guangdong e Zhejiang, de onde será alegadamente originário, e em Taiwan, onde é mais uma das muitas opções para os gastrónomos mais audazes.


Audaz também eu sou, e poucas vezes rejeito uma experiência gastronómica com base no preconceito, cheiro ou aparência, mas aqui abri uma excepção; o cheiro desta "iguaria" ainda hoje apreciada por muitos ("gourmets" do nojo, diria eu, apesar do bom aspecto do produto que nos sugere a imagem em cima) é tão repugnante que não me consigo imaginar a comê-la - e provei o tal "durian", e só depois pude liminarmente rejeitar a fruta que sabe a peidos. Actualmente o "chao taofu" é fermentado bacteriologicamente através de camarão seco, feijões amarantinos, rebentos de bambu e outras ervas chinesas. Para quem gosta, bom apetite, e respeito a preferência. Por outro lado dou graças a que esta "especialidade" tenha sido banida em Macau. Sem desprezo pelos seus apreciadores, este é um tipo de comida que define a diferença entre a civilização e a mais cruel das selvajarias. Outra vez, desculpem-me, bom apetite, e façam-me um favor: não falem comigo depois de comer esta merda, pois o hálito que fica é realmente traumatizante.


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