terça-feira, 9 de setembro de 2014

Adeus, mundo cão



O Jornal de Notícias de Esposende, em Portugal, publicou no final do mês passado na sua página do Facebook uma notícia que dava conta do suicídio de um cão. A notícia vinha completa, com hora, local, fotografias do cão, e o acontecimento até teve honras de vinda da Protecção Civil, veterinário (legista?) e GNR. Não sei como é que se chegou à conclusão que o animal se "suicidou", se deixou uma nota a explicar as razões do desesperado acto, se contou a alguém, mas é possível que uma vez que saltou de um prédio ao lado do Registo Civil, tenha sofrido algum desgosto amoroso, ou descobriu que a cadela com que andava andou a meter-se com o cão do vizinho e não era ele o pai dos cachorrinhos. Não sei, mas dizem que o cão era alegre, andava sempre bem disposto, e ninguém o viu deprimido ultimamente. Agora antes de continuar, vou mostrar mais alguns exemplos de notícias publicadas neste jornal regional.



Portanto começamos com uma notícia sobre um alerta de "pré-afogamento" de dois jovens na praia da Apúlia, concelho de Esposende, que fez deslocar-se o Instituto de Socorros a Naúfragos ao local, apenas para descobrir que era alarme falso, "o que é de lamentar". Bolas, e a gente a pensar que o ISN ia pescar dois jovens cadáveres, que desilusão. Fica para a próxima, paciência.



Está explicado: os "dois jovens" que alguém viu a correr para a água da praia de Apúlia deviam ser elementos da protecção civil, que procuravam aliviar-se dos efeitos das picadas das "vespas asiáticas", com as quais "já não têm mãos a medir". Mais uma notícia completa, mencionando o número de ninhos destas vespas destruídos com a distribuição detalhada das freguesias.



E ainda na Apúlia, pimba!, um gajo abre a porta do carro e "colhe um ciclista" que por azar ia ali a passar. E isto nem foi uma "pré-colhida", mas uma colhida completa, que levou a vítima a ser assistida no hospital de Braga a um "traumatismo crânio".



Ah bem, estava a ver que não tinhamos um pré-afogamento como deve ser, e desta vez tivemos logo cinco. Não foi na Apúlia mas foi nas praias de Ofir e Belinho, com o relato completo do incidente e o nome das vítimas. Perdão, das pré-vítimas. Reparem no interesse que esta notícia mereceu, chegando às 45 partilhas no Facebook e tudo.



Pois é, parece que a GNR esteve ocupada em Esposende há uns dias, quando andou à caça de beberrões ao volante. Isto explicava muita coisa, mas como era o último fim-de-semana de Agosto e a malta queria ir para a desbunda antes de voltar ao trabalho "em grande forma", levam um desconto, vá lá.



Mas não se preocupem os pré-afogados, o ciclista com traumatismo "crânio", os condutores embriagados ou os elementos da Protecção Civil picados pelas vespas chinocas: os velhotes vão lá a Fátima pelo Dia Mundial do Idoso e acendem uma velinha por vocês. Que generoso é o município de Esposende!



Diria para acenderem uma também por estes dois irmãos adolescentes, mas já estão queimados, coitaditos, depois de terem "tentado apagar o fogo em óleo (?) com água", enquanto faziam o jantar. Deve ter sido por terem estado a cozinhar às 20:15, hora indecente para se andar a fritar o que quer que seja.



Mas voltando ao tema do cão suicida, o Jornal de Notícias (JN), o de Lisboa, deu a notícia poucos dias depois na sua página "Mundo Insólito", dando-lhe um tratamento ligeiro - o que mais podia fazer? Mesmo assim tudo o que muda da notícia do seu homónimo de Esposende é talvez a introdução, onde se lê: ""Adeus, mundo cruel", terá ladrado um canídeo antes de se lançar da janela de um prédio, junto à Conservatória do Registo Civil de Esposende, pondo termo à própria vida". Contudo um sem número de gente indignada inundou a secção de comentários, o que me leva a pensar que 1) são todos a mesma pessoa (o meu amigo José Rocha Dinis é especialista em decifrar este tipo de logro) ou 2) os portugueses estão loucos. Reparem nisto:

Muito triste esta noticia e tambem a forma banal e jocosa como é dada. Sem tentar sequer entender o porque, para informar e divulgar um problema que são os maus tratos aos animais. Prefere só explorar e gozar. Se o jn permite isto eu vou é deixar de ser leitor.
Como existe uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, também existe uma Declaraçáo dos Direitos dos Animais. Claro que ambas só fazem sentido para aqueles que tèm educação, cultura, sensibilidade e/ou civilização. Infelizmente, num país como o nosso, em que o iº ministro incentiva veementemente os jovens a emigrar, cria hostilidades ente velhos/novos e funcionários públicos e privados, apareçam notícias como esta dum mau gosto arripiante.
Se eu fosse o dono do animal tentaria processar o JN ou outros jornais que gozassem com a morte do meu cão.Que anormal escreveu esta noticia?Que anormal permitiu que esta noticia fosse publicada nestes termos?
Na verdade, o cão caiu da varanda e acabou por morrer na via pública. Não é nada de outro mundo, infelizmente, caem putos das varandas e janelas também.Não é por ser um cão que tem mais graça.. A estupidez a que chega o JN.
Inadmissivel esta postura do JN e do seu jornalista, deviam ter vergonha na cara, gozar com a morte de um animal é de uma imoralidade que nunca deveria sair em qualquer jornal.....Este jornalista e este jornal devia pedir desculpa por tão narcisista opinião.
É devido a Jornalistas rascos como você que o JN é um jornal apenas medíocre
Coitadinho do animal! Esquecem-se que é uma criatura de Deus, e que teve momentos de sofrimento.

Desde a indignação mais aguda, a insultos ao jornalista e ao jornal, e mesmo algumas ameaças veladas, há um pouco de tudo, e até Deus é metido ao barulho. Não entendo é como ninguém se indignou com o próprio Jornal de Notícias de Esposende, que afinal retirou a conclusão de que o cão se teria suicidado. Quer dizer, podia ter sido homicídio, o que nesse caso levaria o debate para o problema da criminalidade, e aí nem quero imaginar o que seria lá na "redacção" do jornal de Esposende.



Mas o destaque nacional dado à notícia do suicídio do cão fez com que o Jornal de Notícias de Esposende retirasse a notícia - ou então foi a pedido da família do animal, que queria que se respeitasse o seu sofrimento - e mais tarde faz uma pequena "vingança". Vejam lá vocês que os palonços do Jornal de Notícias nem sabem distinguir uma ambulância de um "veículo de socorro"! Tomem lá que já almoçaram, seus morcões insensíveis, que em vez de tentar entender os motivos que levaram o cão a cometer aquele irreflectido acto. Haja um pouco de decoro!


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