sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Hoje: 13



Passam hoje 13 anos desde a criacção do Hoje Macau, a casa da liberdade de imprensa em Macau. Ou isso. Relativamente, vamos lá ver, tendo em conta que não existe jornalismo totalmente independente. O jornal melhorou muito a partir de 13 de Setembro de 2012, sem dúvida, quando às quintas-feiras começou a incluir a coluna de opinião de um humilde - mas brilhante - servo do demo. A sério, foi uma contratação bestial do Hoje, que ficou com aquele tipo de jogador que no início da partida manda o craque da equipa adversária para o hospital, e mesmo sendo expulso a equipa ganha a jogar com 10. Recordemos a génese deste fenómeno, que como vão mais tarde poder perceber, tem muito do meu sangue, suor e lágrimas (nenhum desses, nem qualquer fluído corporal, mas estou a falar metaforicamente, como os mais inteligentes ou os menos burros podem ter percebido).



Mas o Hoje Macau não é de hoje. Quer dizer, é de Macau, mas o Hoje que temos hoje em Macau foi conhecido em tempos por "Macau Hoje", ou simplificando, "oish!". O director do Macau Hoje foi em tempos um tal Meira Burguete (ou como dizia um amigo meu chinês que tinha trabalhado com ele no notariado, o "senhor Meira Foguete"). Depois do sr. Burguete ter ido para as Filipinas com a esposa viver com a reforma que lá se multiplica por muitas e chega para passar o resto da vida de papo para o ar na praia comendo os mariscos e os peixes mais frescos e as frutas mais sumarentas do mundo (coitado...), o Macau Hoje ficou a cargo de João Severino, o "enfant-terrible", o mosqueteiro do jornalismo do pré-transição. A visão do jornalismo que Severino tinha era muito "newsflash!", ou "parem as rotativas", estilo de "Daily Planet". As capas eram do calibre daquelas que vemos na imagem em cima, a atirar para o tablóide, a gritar nos ouvidos e pedir que abrissemos o jornal para saber se estava na hora de ir a correr para o abrigo, pois vinha aí a guerra nuclear. Belos tempos, quando o Macau Hoje era diário, O Clarim e o Ponto Final semanários, e depois havia ainda "aquele pasquim", que não vale a pena mencionar.



Um dia, quando ninguém estava à espera, o Macau Hoje acabou. Foi pena, pois mesmo sabendo que o seu director andava a ter alguns problemas de natureza judicial com "um grupo de pessoas que acham que são os únicos detentores da verdade”, mas que mesmo assim conseguiram "alterar as coisas", e atingir o seu objectivo de "mediatizar, fazendo barulho". Fiquei triste com o fim daquela voz incómoda, uma alternativa sempre melhor à "paz podre", mas nem tive tempo de cumprir o luto, e porquê?



Porque logo de enfiada, como que numa passagem de testemunho, o jornal reapareceu no dia seguinte com o título "Hoje Macau", o que foi algo "same same but different". Na multiplicação e na soma a ordem dos factores não altera o produto, mas aqui o que aconteceu foi a introdução de mais um factor. E qual foi esse factor?



O factor Carlos Morais José. Quando cheguei a Macau em Agosto de 1993 e peguei nos jornais, não foi preciso mais de quinze dias para perceber onde foi parar o neurónio extra que faz toda a diferença na opinião jornalística. Meti-me com ele logo que o encontrei da primeira vez, sempre com reverência ao génio, mas é como se diz: não é para todos. Aqui está o tipo que cada quando chateia alguém diz-se cobras e lagartos dele mas entre dentes fica um "e não é que o sacana tem razão?". É uma daquelas pessoas que mesmo que as suas convicções sejam discutíveis ou as suas previsões não batam certo, gostávamos que tivesse sempre razão - é como aquela canção que ficou em 2º lugar no Festival mas que todos concordam que era a melhor. Carlos Morais José passou por praticamente todos os jornais que existem e existirem desde a sua chegada em 1990, e só não terá passado pel'O Clarim por uma questão de coerência. Até o imagino a dar cabo do canastro à padralhada com citações de Göethe ou do Marquês de Sade. É proprietário do Hoje até hoje (fica difícil conjugar o nome do jornal com os tempos), e tirando as duas vezes em que confiou a direcção a João Costeira Varela e a Carlos Picassinos, tem sido o seu "capitão".



E lembram-se quando eu disse que estive na génese do Hoje Macau? Claro que se lembram, e foi mesmo assim, como eu vos digo. No dia em que o Macau Hoje anunciou o seu fim, estava eu a trabalhar lá no Registo Predial (e estava mesmo, eu sou muito trabalhadeiro) quando o meu colega chinês do balcão me pediu para atender "uma senhora portuguesa" que tinha umas perguntas a fazer. Fui com todo o gosto, e lá estava ela, uma senhora ruiva, com um aspecto muito "new age", que queria saber sobre a situação do Consulado Geral de Portugal e do Hotel Bela Vista, residência do cônsul-geral de Portugal em Macau, na altura Carlos Frota. Sugeri-lhe que levasse os respectivos pedidos de informação desses imóveis, vulgos "buscas", por 10 patacas cada, e ficava a par da situação física e jurídica dos mesmos. Ainda assim expliquei-lhe (um dos defeitos de alguns serviços em Macau é pensar que toda a gente entende o que eles fazem ali) que o Consulado-Geral, antigo Hospital S. Rafael, foi adquirido pelo Estado Português, mas que o Hotel Bela Vista estava concessionado por apenas 50 anos. Não era exactamente novidade para ninguém, mas no dia seguinte lá estava a primeira edição do "Hoje Macau" com o tema na capa, e no seu interior via-se a página da "busca" onde constava a inscrição da concessão com a minha assinatura no canto superior direito. Não precisam de agradecer, gajos. O prazer foi todo meu.



Se há uma coisa que não mudou do "Macau Hoje" para o "Hoje Macau" foram as bombásticas capas, que dão logo vontade de sacar dos dez paus e abrir para ver se lá dentro está realmente aquilo que suspeitávamos quando tiramos as conclusões que a embalagem sugere. Aqui, por exemplo, vemos um conjunto de personagens da banda desenhada local, alguns ainda por cá, outros nem por isso. Caso daquele mimo francês no canto superior esquerdo, que "desconfiava" de uma tramóia contra a Reolian. Fosse ele mais como o seu compatriota que dava pelo nome de Hercule Poirot, e tinha desmontado a charada mais depressa. Outros como o senhor em destaque na capa, que consegue ver o futuro graças àqueles óculos (quem não via o futuro assim, dessa forma?). Em baixo ainda lemos que "Ung Choi Kun deixa a política", o que é pena, pois o presidente das Associações de Fomento Predial de Macau esteve em destaque quando após o massacre de Tiananmen em 1989 andou pelas ruas de punho cerrado aos gritos contra Li Peng e a favor dos estudantes, e recentemente sugeriu que se devia usar a Lei de Segurança do Estado emanada pelo artº 23 da Lei Básica contra o referendo civil. O tempora o mores! Vemos ainda ao lado o deputado José Pereira Coutinho, em defesa de um dos seus cavalos de batalha, os direitos dos animais. Entende-se, pois está aqui a actuar em causa própria, uma vez que é um dos "animais políticos" da RAEM.



É preciso também não esquecer a função social do Hoje Macau, sempre ao lado das minorias, dos oprimidos, dos que lutam pelo reconhecimento da sociedade. Nesta capa por exemplo, lemos que "os gays são os nossos irmãos com mais dificuldades", e ao lado vemos um irmão, e por baixo lemos que um bispo malvado insiste em ficar no caminho da liberdade dos nossos irmãos em casarem, e assim serem igualmente infelizes, como nós. Força irmão, sorri, não faças esse ar deprimido. Um dia casas com o matulão.



O Hoje Macau informa, o Hoje Macau inova, mas o Hoje Macau também tem o espírito da brincadeira, como dá para perceber nesta capa do 1º de Abril. Pode ser que nem toda gente ache piada, trantando-se de uma coisa séria, mas é assim mesmo o Hoje Macau, para quem não existem tabus.



E depois há os conteúdos, claro, alguns deles que nos podem mesmo servir de referência futura, nesta sociedade sempre em mudança, e tão imprevisível. Nesta notícia de há alguns meses atrás, por exemplo, que nos dá conta de um pequeno mas democrático desaguisado entre a nova e a velha guarda do Direito em Macau. Quem diria que hoje estariam juntos na função de evitar que o navio vá ao fundo? O Hoje Macau é também conciliatório.



E eis algumas das "formiguinhas" que nos trazem todos os dias o Hoje (com excepção de Sábados, Domingos e feriados, confirmando a velha máxima de que "dias não são dias"). Da esquerda para a direita vemos Ricardo Borges, o mago da paginação, e como eu o invejo, pois mal consigo editar imagens para dar uma estética melhor a esta porcaria; Cecília Lin, encarregada de fazer a ponte entre as "chinesices" e a "tugaria", deixando-nos a par do que se diz do outro lado; e Gonçalo Lobo Pinheiro, ex-editor, que me aturou no início e publicou os textos da rubrica Bairro do Oriente do jornal, e recentemente "foi à sua vida", deixando o seu posto à Joana Freitas, para quem mando um abraço, onde incluo ainda os restantes membros da equipa, desde o cartoonista Steph ao gato Pui Yi, até meus colegas co-colunistas, os quais ainda não tive oportunidade de trocar ideias - estou sempre disponível, mas pois...isto dos egos, é o que se sabe.



E é assim que se conhecem as pessoas: anos, foram anos até ter a oportunidade de partilhar com o mundo a minha visão, não por querer impôr o que quer que seja, mas para deixar mais qualquer coisa à consideração de quem procura uma resposta. Sei lá, imaginem que existe por aí mais alguém que quando fica todo molhado com a chuva e a dizer mal da vida culpa o Phil Collins? O Hoje Macau é o expediente dos sonhos. Melhor: a terra dos sonhos, onde podes ser quem tu és e ninguém te leva a mal, como dizia o Jorge Palma. Parabéns por mais este aniversário, e tal como conto convosco, podem continuar a contar comigo.

Leocardo

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