sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Toma lá do Vilhena



Um dos meus "mestres", ou se preferirem uma das minhas referências ou fonte de inspiração é o grande José Vilhena. E é com um sorriso largo e malandreco, juntando uma risada sacana e um olhar de espertalhão que digo "é" - o mestre vive, e encontra-se no activo (ou pelo menos até muito recentemente) aos 87 anos. E quem disse que a pouca-vergonha e o deboche não eram bons para a saúde. São pois, e para os restantes que resistem levando a vida de anjinho que Nosso Senhor lhes recomendou, ou que andou a fazer as suas patifarias às escondidas, há sempre o Viagra. Vilhena inventou o Viagra antes de ele existir, e inventou sem saber ou para o que é que servia. Foi, é, e ficará para sempre como uma das nossas almas mais livres, das mais soltas.



José Alfredo Vilhena Rodrigues nasceu a 7 de Julho de 1927 em Figueira de Castelo Rodrigo, no distrito da Guarda, e foi no conservadorismo e isolamento do interior de um Portugal muito mais pobre e atrasado do que possamos imaginar que cresceu, até ir estudar Belas Artes para o Porto, mas antes de concluir o curso migrou para Lisboa, onde podia dar asas aos seus talentos: o desenho, a ilustração, o humor e a sátira. Às vezes combinava duas destas valências, outras vezes três, quase sempre todas. Atribuiram-lhe desde o início a fama de "provocador", o que é só por si ambíguo. O que "provoca" um "provocador"? Pode ser desde a alegria e o riso até à guerra e à morte. Vilhena provocava sobretudo e boa disposição, enquanto "picava" o seu povo, tão taciturno e temerário às superstições, para que se soltasse, libertasse, não tivesse vergonha de ter tesão e de lhe apetecer uma queca, e já agora com bis.



Trabalhou nos primeiros anos como ilustrador para o Diário de Lisboa e humorista para outras publicações tidas como "marginais", e em 1956 publicou a sua primeira colectânea de anedotas. Tornou-se famoso com a revista "O Mundo Ri", e mesmo depois do fim desta não lhe faltaram convites para trabalhar, e conseguia como ninguém contornar a censura do Estado Novo, fazendo gato-sapato dos censores, a quem a sua inteligência e "ratice" chamavam um figo, e aproveitava cada vez que uma obra sua era censurada para fazer mais publicidade da próxima. Foi detido pela PIDE em três ocasiões nos anos 60, mas nunca o conseguiram acusar de distribuir material indecente, ou "pornografia" - quem pensa que aquilo que o Vilhena faz é pornografia, das duas uma: ou não sabe o que é pornografia, ou sabe muito bem mas está a fazer-se de parvinho. O máximo que os púdicos conseguiram foi atribuir ao seu trabalho a designação de "humor erótico", o que deixaria os adeptos do "erótico" propriamente dito desiludidos, mas os fãs de Vilhena ainda mais sequiosos.



Chegou o 25 de Abril e com ele o fim da censura. Recusou-se sempre a ser instrumentalizado pelo poder político - para ele qualquer um era satirizável. No entanto aproveitou o fim da censura para "atacar" com mais à vontade o poder e os seus figurinos, ao ponto de se confundirem com os originais. Nem a liberdade lhe subiu à cabeça, e continuou no estilo que o celebrizou, gozando de um período de grande sucesso com a revista "Gaiola Aberta", que dirigiu entre 1974 e 1983. Remeteu-se a um hiato de 4 anos regressando em 1987 com "O Fala Barato", numa primeira fase em formato de jornal, e até ao seu encerramento em 1994 como revista. Mesmo com um país com uma mentalidade muito mais aberta para que o seu humor provocasse um efeito de choque, regressou com "O Cavaco" e "O Moralista" nos anos 90, e mais recentemente com a segunda edição da "Gaiola Aberta".



Um dos seus alvos predilectos era, lá está, a Igreja, de quem ria com gosto dos seus moralismos de trazer por casa, dos "padrecos" (nome pelo qual os padres são conhecidos, e que até prova em contrário é da sua autoria), das beatas, e de toda a hipocrisia que andava de mãos dadas com um regime (ou regimes) que amordaçavam o povo e não o deixavam ver o que para ele era evidente. "Viram aquele padre com o pau feito, que quase lhe saltavam os botões da batina?", "Olha, lá está o sr. Neves a apalpar o rabo da secretária, e a meter-lhe a lígua fétida no ouvido, o cabrão", "O quê, não viram? Abram os olhos c..., os de cima, porra". Hoje conta com mais de 60 colectâneas de ilustrações nos mais diversos média, e continua com o seu estúdio no Bairro Alto, local privilegiado para o ver o que muitos teimam em não ver, ou pelo menos aprender a lição que desde há seis décadas o mestre insiste em repetir. Será que ele tem uma secretária boa, com mamas grandes e cu redondo? Aposto que sim. E isso pergunta-se?


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