quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Eu sou a lei, e isto é um assalto!


Como os leitores que me seguem (todos os cinco) devem ter notado, o artigo desta semana do jornal Hoje Macau foi dedicado ao caso da empresa responsável pela plataforma digital Uber, que chegou a Macau recentemente, e com um enorme alvoroço, causando outra vez uma série  de equívocos, mal-entendidos, interpretações abusivas, declarações em tom de ameaça ou/e de ultimato. Não foi possível dizer tudo no artigo do HM, que por motivos de enquadramento requer uma maior síntese (e mesmo assim ficou comprido), e por isso quero aproveitar aqui a "tasca" para acrescentar mais alguns pontos. Já que estou "com a mão na massa", aproveito para "soltar a língua", livre dos constrangimentos que eu próprio imponho quando remeto semanalmente o texto para o jornal. Aqui vai alho.

Em primeiro lugar gostava de deixar bem claro que não tenho qualquer familiaridade ou sequer simpatia pela Uber, e para mim é completamente indiferente se viessem ou não para Macau - olha, preferia que viesse a Dunkin' Donuts, por exemplo, que é uma das MUITAS coisas que aqui não temos. Tenho que deixar isto bem assente, pois nestas situações, bem como em outras, e até em coisas sem importância nenhuma, dá-se um extremar de posiç­ões: quem não é pela Uber "desde pequenino" é contra a Uber, e por isso "morte à Uber". O problema aqui não é ser a Uber ou outra coisa qualquer, mas sim o que tem sido o achincalhar do primado da lei. Ou neste caso da "não lei", pois tal como no ano passado aconteceu com o referendo civil, confunde-se o que não está explicitamente regulado, com o conceito de "ilegal" - esse também especificado por lei. Se no ano passado ficou a pairar no ar o "espírito na lei", que já foi quanto baste para nos assustar, parece que de regresso às trevas este levou consigo o "direito positivo" - só é lei o que consta da lei, o que está lá escrito, gravado, e que deve ser cumprido por TODOS.

No seu espaço de opiniões à segunda-feira no Telejornal da TDM, o jornalista José Rocha Dinis (um abraço, já agora) reage de forma curiosa quando Jorge Silva aborda a questão da Uber, começando por dizer "o Governo diz que é tudo ilegal". O director do JTM, sempre na sua toada apaziguadora, responde dizendo "se diz que é, então é" (aqui, a partir dos 11:30) .Ora bem, isto não é nenhum tipo de paternalismo da minha parte, nem eu cometeria tamanha audácia, mas entre o "não é bem assim" e "gravíssimo", ficamos a meio caminho, mais próximo do último, se me permite. Não é o Governo, nem a polícia, nem eu, nem o dr. Rocha Dinis, nem a Uber que estipulam o que é legal ou ilegal: são as leis. Ninguém está acima da lei, e esta não é uma plasticina para moldar conforme nos dá jeito, ou para interpretar conforme quem está do outro lado, ou quem possa beneficiar ou prejudicar. Isso seria mesmo que numa partida de futebol o árbitro faltar, e ser substituído pelo treinador de uma das equipas - e não estou a falar de "solteiros e casados". Este jogos e todos os que se jogam que envolvem o cumprimento do que ficou estabelecido na declaração conjunta, transposto para a Lei Básica, afirmado e reafirmado pelas partes, contam para o campeonato, e podem ser decisivos.

Neste mesmo vídeo o meu caro Rocha Dinis atira para canto quando lhe é perguntado se "precisamos da Uber", pois de forma evasiva responde que "precisamos de taxistas competentes profissionalmente, bem educados, correctos".Verdade, mas o que fazer durante os 20 e poucos anos que vai demorar até nascerem, crescerem, e tirarem a carta? E quer JRD quer muita outra gente de bem "morde o isco" dos taxistas, quando estabelecem um paralelo entre a Uber e o serviço de táxis. Quem disse que a Uber veio concorrer com os táxis? Em Macau não existem e sempre existiram transportes privados, pagos e licenciados além dos táxis? Mas convém a alguns fazer esta "confusão", e entre esses...


...está David Chow, que veio avisar as agências de viagem que se associaram à Uber que "estão a ir contra a lei", e apela às outras que "não se metam com a Uber", e que tem "responsabilidades como presidente etc. etc.", uma daquelas dúzias de coisas de que é presidente e às vezes até se esquece quais. Escuso-me a comentar a origem desta recomendação para que se cumpra escrupulosamente a lei, mas não posso deixar de apontar de que em tudo o que Chow disse, não existe UMA ÚNICA menção à lei que a Uber está a infringir. O Governo "foi claro", porque o Governo "disse". Uma leizita para ilustrar esta asserção é que "moah". O Governo "disse", a lei que se f... . Chow vai mesmo ao ponto de comparar a Uber com o jogo electrónico "online". Ora essa, e porque não com o terrorismo, como deu a entender um dos participantes do Fórum Macau do último Domingo, o ÚNICO presente naquele debate que se opunha à entrada da Uber no mercado? Ai que "qualquer um" pode ser motorista da Uber, "desde que tenha carta de condução". Ora essa, eu faço parte desse imenso grupo dos "quaisquer uns", e não tenho carta de condução, que Diabo. Imaginem que vos acontece o mesmo que a uma menina que foi violada por um motorista da Uber...na India! Na India, onde por essa lógica não se podia sequer sair de casa. E outra vez, quem é que disse que a Uber vinha competir com os táxis, ou que estão de alguma forma relacionados? 


Quando os camiões de areia para nos atirar nos olhos partem de quem lucra com o negócio dos táxis e das suas milionárias licenças, nada nos surpreende, mas quando parte de quem se DIZ do lado dos utentes, como o caso de Andrew Scott? O senhor vem na mesma reportagem do Hoje Macau no dia 30 sobre as reacções à entrada da Uber no mercado dizer que "não experimenta a Uber porque...É PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS PASSAGEIROS DE TÁXI!". Este gajo é um palerma. Se quiserem contar-lhe que eu disse isto, força, e até repito por via das dúvidas: é um palerma. Tentei encontrar uma comparação com esta fa-bu-lo-sa ideia, mas não consegui! Não há nada mais absurdo que isto. A propósito, o diário "Macau Daily News" elegeu este gajo "personalidade do ano" em 2015. Parece que este ano a luta vai ser renhida, pois os candidatos são Tony, o indigente preferido da gente, e mais aquele indivíduo psicopata que anda pelo centro da cidade a fazer poluição sonora enquanto segura uns cartazes parvos, mas que como "não faz nada de ilegal"...não consigo acabar esta frase. Lá fazer, ele faz, mas como não anda a pisar a cauda de ninguém importante...

Porquê a embirração com este serviço em particular, que seria apenas mais um, e não se apresentou como um substituto de outro qualquer? E se toda a gente acha a vinda da Uber "uma boa ideia", tendo mesmo um responsável da DSAT encontrado vantagens nesse serviço, quem são os taxistas, e quantos são, para poderem determinar o que é legal ou ilegal? Sabem eles alguma coisa de leis, ou atiram com esse argumento da boca para fora, como que um "truque" que aprenderam para enxotar os que se metem no seu caminho, como quem fala do "bicho papão" a uma criança medrosa? E sabem o que mais?



Tomem lá, ó paladinos instantâneos do cumprimento da lei. E que tal as autoridades demonstrarem a  mesma prontidão e eficácia que demonstraram quando autuaram e apreender as viaturas aos motoristas da Uber, em fazer cumprir, por exemplo, o nº 2 deste regulamento aqui em cima, que podem consultar na íntegra aqui, no BO. E atenção: regulamento, que é algo que não tem a mesma força probatória de uma lei. Antes da LEI anti-tabagismo ser aprovada, aqueles avisos que se colavam na parede onde se lia "Proibido Fumar" eram um insulto. Proibido porquê, quem são eles para proibir? Deviam antes implorar, e não se esquecer de acrescentar "por amor de Deus" no fim. Não se fazem leis por dá cá aquela palha, ou porque nos apetece, ou pior, como neste caso, numa tentativa de intimidar, acenando com eventuais "violações da lei", quando nem existe lei nenhuma para violar - isto trata-se mais de "esfregar-se na parede lascivamente enquanto se pensa na lei". E intimida-se com sucesso, aparentemente, a julgar pela facilidade com que alguém sugere que isto ou aquilo é "contra a lei", e os burros baixam logo as orelhas, ou que algo "é crime", quando - e digo isto pela 25514ª vez - OS CRIMES CONSTAM APENAS DO CÓDIGO PENAL, E O QUE NÃO CONSTA NÃO É CRIME! Do jeito que isto está, qualquer dia a sugestão de que se está a cometer um "crime" serve para passar à frente de toda a gente na padaria. 

Sendo certo que a ignorância e a cobardia contribuem em grande parte para que os leigos se convençam de tudo o que é emanado por aqueles que têm dinheiro e poder, não posso deixar de desconfiar que esta resignação perante a lei e as leis pode ter a ver com alguns receios, ou noutro termo mais directo, "desconfiança" com o seu uso e a aplicação - e não é para menos. É visível a olho nu como tanta gente se retrai perante a perspectiva de estar a ir contra a lei, primeiro porque desconhece a legislação, e segundo porque nem ele próprio tem a certeza se não está de algum modo em infracção - ui, que isso agora dava pano para togas e becas. No fundo, e isto é triste de observar, a lei e os seus intérpretes são temidos por quem deveriam estar a servir, chegando estes a pensar que por muito que a lei diga que "b" é seguido de "c", os juristas arranjam uma forma de subverter o abcedário inteiro, e se for necessário omitem essas duas letras. É triste, repito, porque fica-se com a ideia de que as leis podem ser manipuladas de modo a beneficiar uns em prejuízo de outros - e atenção que não estou a insinuar que isto realmente acontece, mas quem são os taxistas para atirar com um veredicto, que depois é corroborado por ora quem não tem autoridade e/ou conhecimentos para o fazer, ora sem que se apresente fundamentação credível, ou mesmo nenhuma? A propósito, já alguém da área do Direito se veio pronunciar sobre este caso? Um juiz, um advogado, ou quem sabe um jurista que tenha acesso a uma coluna num jornal, e que pudesse assinar um artigo onde fosse esclarecer a opinião pública, que só aceita (com muitas reservas) esta ilegalidade decretada na base do "porque sim,  posso, quero e mando" por essa mesma razão, e por imposição não do Direito, mas sim do MEDO. Esta jurisdição que servis não o merecia? Não assobiem tanto para o lado que ainda vos falta o ar, benzinhos.

Todo este bailarico só serviu para demonstrar que 1) não existe vontade de resolver o problema dos táxis, e qualquer capricho que parta destes verdadeiros "bullies" de um serviço que mancha o nome da "cidade internacional" que Macau se quer, é atendido sem demora, 2) os taxistas dão mais uma vez a entender que não fazem planos de mudar de atitude, melhorar o seu serviço, em suma, cumprirem eles as regras, e não permitem algo que aparente ser, mesmo que remotamente, qualquer tipo de concorrência. O que nos dizem é isto: aqueles que não apanhamos estão muito bem assim, se quiserem vão de autocarro, ou em alternativa a pé - ou não vão, bardamerda para vocês, e 3) a Uber é uma multinacional, quer se goste ou não dela, e não é sequer referenciada como constando na lista negra do Governo Central, e para mim que não uso nem planeio usar o serviço, e tento evitar também os táxis, é mais uma que veio alargar as suas operações até Macau, provavelmente convencida que o que é estipulado nas regras do jogo para todos os investidores, aplica-se sem olhar a quem, ou ao quê.  Excelente prenúncio para atrair investimento, e já agora no sentido de "diversificar a economia do território". Estes podem ser parecidos com os táxis, e incomoda as excelências, mas outros há que podiam querer investir, e olhando para isto pensam duas vezes - e mudam de ideias no fim, lógico.

E mais: quando um dos muitos argumentos que se usam contra a Uber (tantos que só demonstram que nem quem os utiliza está convencido da sua legitimidade) passa por "ter causado o mesmo tipo de problemas noutros países", esses problemas são levantados apenas pelos taxistas - os novos reis do mundo ou quê? Chegou-se mesmo a recordar o caso de Portugal (devia ser para nós ficarmos calados, convencidos e batermos palmas), onde de facto registaram-se situações graves de violência contra os tipos da Uber, levada a cabo por taxistas, só taxistas e mais ninguém. Agora é só esperar que os srs.  suas majestades os taxistas divulguem uma lista do que não gostam, para nós evitarmos aborrecer os pobrezinhos com as nossas "ilegalidades". E se isto for mesmo seguir para tribunal, como já foi anunciado pelos responsáveis da Uber, vamos ter mais episódios desta emocionante novela. 


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